terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Dina Di

   Há exatos dois anos, no dia 20 de março de 2010, o cenário musical brasileiro sofreu uma grande perda, Dina Di, cantora e líder do grupo de rap Visão de Rua, faleceu em decorrência de complicações surgidas após uma infecção hospitalar contraída no parto de sua segunda filha. A ainda muito jovem Dina Di, com 34 anos, abandonou o barco desse mundo falido e deixou o rap destronado: se foi sua Rainha. Inquietante uma frase dita por ela na abertura do álbum "O poder nas mãos", de 2008, antecipando e sintetizando o que hoje sentimos frente a sua precoce e evitável morte: "a negligência pode resultar em tragédia".
       Nos últimos tempos eu andei muito imersa na história de vida dessa grande mulher. Lembro de ter ouvido o mega sucesso dela "A noiva de Chuck" nos tempos do colégio e tudo, mas eu não estava, na época, atenta ao significado daquela voz e presença num meio em que se contava nos dedos o número de mulheres. Dina Di desbravou não só o espaço feminino nesse gênero, mas o próprio espaço do rap em nosso país. Se hoje vemos uma cena em franca expansão, cada vez mais profissionalizada e capaz de auto-gerir seus shows e vendas de CD's, é porque algumas figuras construíram a ferro e fogo o lastro da mesma, sem dúvidas Dina Di foi uma delas.
       O primeiro álbum do Visão de Rua, "Herança do vício", de 1998,  trouxe à tona a voz forte da paulista Viviane Lopes Matias, ali já chamada pelo nome que impõe respeito e admiração para quem foi, é ou será amante do rap brasileiro. Trabalhada nas calças largas, tênis, camisetas e se refugiando no vestuário masculino para "infiltrar-se" entre aqueles que detinham o cenário do rap, Dina Di arquitetou sua arte e presença. A inteligência e a estratégia dela me impressionam, foi uma mulher muito refinada que se fez respeitar combinando letras fortes, ousadia e fortaleza como elementos que fundamentaram sua trajetória artística.
Tem uma entrevista muito fera que ela deu para o site Mundo Black na qual a cantora diz que o rap era um espaço sem preconceitos, que ela como mulher não se sentia desmerecida e que a ausência feminina no gênero era apenas uma questão de falta de mulheres que quisessem  encarar algo que ainda estava sendo construído. Por mais que eu faça outra leitura dos problemas enfrentados pelas mulheres em muitos espaços, não só no rap, acho que ela conseguiu desbravar o insólito e fez de sua trajetória, vida e arte um marco para esse movimento musical tão comprometido com as mudanças urgentes do mundo desigual.
      Saúdo e agradeço à Rainha do Rap que ressignificou uma vida cheia de feridas, sem deixar que as suas cicatrizes desfigurassem sua poesia, mas sim a fizesse única. A vida dessa artista foi mesmo uma daquelas que nos faz perguntar: como ela conseguiu superar? Ainda na adolescência teve diversas passagens pela FEBEM, o pai dela, um mestre de obras, morreu engasgado com um pedaço de carne em um buteco, sua mãe, uma camelô, foi assassinada violentamente em sua própria casa com requintes de crueldade inacreditáveis e como ela conseguiu seguir, gente? Esse é o questionamento que me faço constantemente ao lembrar de Dina Di. A resposta ela mesma tratou de nos fornecer na já citada abertura do álbum do Visão de Rua: "Quando a gente sofre uma grande perda é como se ficasse um buraco na nossa existência.
  Por outro lado se eu não tivesse passado o que eu passei, perdido o que eu perdi, eu não teria profundidade como mulher, valeu a experiência". Sinceramente, eu acho pouco chamá-la de guerreira, Dina Di foi mais que isso. Imagina estar imersa na tristeza e conseguir transfigurar isso e ser madura o bastante para perceber as modificações internas que a tormenta fornece?!
A Rainha do Rap cantou a esperança em muitas músicas como em "O poder nas mãos", cantou o amor na linda "É nóis", gritou para quem pudesse ouvir o problema da violência doméstica em "Dormindo com o agressor", cantou toda sua fortaleza em "Guerreira de fé", cantou sua fé em muitos trechos de suas canções como a "O filho pródigo", falou para a juventude acerca da violência urbana em "As coisas mudam", alertou  às jovens acerca das dificuldades enfrentadas por quem encara uma gravidez muito nova em "Marcas da adolescência", também falou dos entraves do mundo para a criação dos filhos na música "Meu filho, minhas regras",  relatou o cotidiano do sistema carcerário feminino em "Confidências de uma presidiária", enfim, Dina Di esteve na linha de frente do rap e da vida.
       Eis uma personalidade que me instiga e inspira, admirar sua arte e a forma com que esteve neste mundo é resultado dos ecos que ela construiu em suas músicas e posicionamentos. Dina Di, Guerreira de Fé, Rainha do Rap, sua voz se foi, mas os ecos dela em sua poesia são eternos. Só podia terminar esse textinho com uma frase dita pelo Helião, também no álbum "O poder nas mãos": "Ela é o máximo, luta, se esforça, tenta melhorar, tem sonhos, fica alegre ou triste por causa do amor, se não estivesse aqui, algo estaria faltando no rap, que o objetivo seja ação: Dina Di".
(Texto extraído do blog de Andressa Marques...Blogueira Tardia.)

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